19 jan

O partido Solidaridad Nacional chamou a atenção nas redes sociais com ataques e desinformação sobre gênero

OjoPúblico analisou o debate da campanha eleitoral com ferramentas de inteligência para redes sociais e mediu como o partido amarelo se posicionou na discussão, endurecendo sua mensagem com mensagens controversas sobre gênero

Por Carla Díaz

Atualizado em 28 de janeiro, 2020 às 12:30 pm

O partido Solidaridad Nacional (SN) aumentou sua presença nas redes sociais através de mensagens polêmicas e ataques pessoais, apesar de as principais pesquisas de opinião pública o colocarem fora das intenções de voto no próximo domingo, 26 de janeiro. O OjoPúblico realizou uma análise das redes sociais com ferramentas de inteligência social e identificou que o partido amarelo gerou pelo menos dois dos episódios que causaram mais reações no Twitter até agora na campanha, um dos quais levou o Juizado Nacional Eleitoral (JNE) a impor na última quarta-feira uma multa de 344 mil sóis – mais de 100 mil dólares – por uma infração na propaganda eleitoral.

A análise, realizada com a plataforma digital Brandwatch, foi baseada na captura de 1.337.226 interações (tuítes, retuítes e respostas) feitas entre 18 de novembro de 2019 – prazo para os partidos oficializarem suas listas – e 15 de janeiro de 2020. Deste universo, foi retirada uma amostra com um valor analítico equivalente a 45%, que considerou uma série de termos-chave referentes às eleições, às contas dos partidos políticos e seus principais candidatos, bem como temas gerais como corrupção, direitos humanos, racismo, educação, saúde, segurança, gênero, pobreza, entre outros.

O assunto que teve mais impacto na campanha eleitoral até agora foi o episódio em que o candidato Mario Bryce, da lista do SN, fez um gesto ofensivo em relação ao candidato Julio Arbizu, do partido Juntos por el Perú, ao entregar-lhe um sabonete durante um debate eleitoral recente. O evento produziu uma explosão nas redes sobre a conotação racista do gesto, com um total de 113.700 interações geradas de 7 a 10 de janeiro. Só no dia do escândalo, foram geradas 25.245 interações relacionadas ao partido.

Antes desse episódio, o partido Solidaridad Nacional só apareceu sob o título “outros” nas pesquisas de intenção de voto realizadas pela empresa de pesquisa Ipsos (outubro) e pelo Instituto de Estudos Peruanos (novembro e dezembro). Os resultados permaneceram assim, enquanto uma pesquisa publicada na quinta-feira, 16 de janeiro, indicou que 54% dos eleitores não decidiram seu voto.

Deve-se notar que nem todas as reações ao gesto de Bryce no Twitter foram positivas. Uma análise utilizando a ferramenta Trendsmap, que avalia as tendências no Twitter, indica que a controvérsia – que levou a uma investigação preliminar do Ministério Público e a um processo de sanção pelo JNE – deu forma a duas comunidades claramente diferenciadas e com alcance distinto: A comunidade que criticou o gesto como um ato discriminatório e reprovável gerou 57,4% de interações (tuítes e retuítes), enquanto que os favoráveis só geraram 28,6%, incluindo neste último grupo aqueles que apoiaram a própria declaração de Mario Bryce negando qualquer intenção racista, e a declaração do partido Solidaridad Nacional em defesa do seu candidato.
Para este caso, o Juizado Especial Eleitoral decidiu na sexta-feira que tanto o candidato Mario Bryce como o partido Solidaridad Nacional devem pedir desculpas publicamente ao candidato Julio Arbizu e ao seu grupo político Juntos por el Perú.

POLARIZAÇÃO. Configuração do debate no Twitter em torno das referências a palavras relacionadas ao racismo, de 7 a 10 de janeiro de 2020.

Esta é a primeira análise realizada pelo OjoPúblico como parte do projeto Sala de Democracia Digital, uma iniciativa regional promovida pela Fundação Getulio Vargas, que visa examinar o cenário político a partir do debate público nas redes sociais. A metodologia foi utilizada no país para monitorar a campanha eleitoral de 2018, na qual o atual presidente Jair Bolsonaro foi eleito, e está sendo aplicada atualmente na análise do debate político pela mídia na Argentina e na Colômbia.

Excesso sancionado
O impacto gerado pelo gesto de Bryce foi seguido de outro não menos controverso episódio também gerado pelo partido Solidaridad Nacional: a transmissão, a partir da conta oficial do partido, de um vídeo ligando políticos de esquerda, candidatos de outros partidos e até o presidente da República, Martín Vizcarra, com líderes dos grupos terroristas Sendero Luminoso e Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA). De acordo com o movimento das audiências analisado para este relatório, este conteúdo gerou 25.702 interações, especialmente no período de 16 a 20 de dezembro, e alcançou notoriedade nas redes, acima de outros agrupamentos políticos que apresentam melhores resultados nas pesquisas.

O auge desta discussão ocorreu no dia 20 de dezembro, quando em uma entrevista o secretário do partido, Rafael López Aliaga, justificou e defendeu o conteúdo do vídeo. Três dias depois, o JNE emitiu uma resolução que exigia a retirada do vídeo porque era considerado “propaganda proibida”, pois incluía uma referência não permitida ao candidato Gino Costa, do Partido Morado. A entidade ordenou a retirada do vídeo de três contas no Twitter: a conta oficial da Solidaridad Nacional e as contas dos candidatos Javier Pacheco e Carol Villavicencio. As duas primeiras obedeceram à ordem, mas a terceira não.

Por este descumprimento, o Juizado Especial Eleitoral de Lima Centro 1 aplicou uma multa de S/344.000 (80 Unidades Fiscais) ao partido, calculada segundo quatro critérios: o alcance geográfico da transmissão; o alcance dos meios através dos quais a transmissão é feita; o montante, volume, duração ou permanência da propaganda eleitoral feita; e a proximidade da transmissão à data do evento eleitoral.

Segundo a resolução, “a conduta foi ofensiva de diversas formas em termos de irradiação nas redes sociais, pois, nesta era da Globalização, a Internet constitui um instrumento de informação sem fronteiras que pode ser utilizado de maneira eficaz para atingir outros candidatos com propaganda prejudicial”. Neste caso, a irradiação foi produzida pela “interação de diferentes plataformas sociais nas redes, espalhando a notícia não só através de seus seguidores, mas também através do ciberespaço pela ação do cibernauta que quer espalhá-la para seus contatos”.

Uma análise com a ferramenta Trendsmap confirma que uma das contas consideradas pelo JNE, correspondente ao candidato Javier Pacheco, é justamente a que publicou mais conteúdo com menções ao Solidaridad Nacional ou às hashtags que o partido utiliza.

A partir do período analisado, estas questões – somadas a controvérsias sobre gênero ou acusações de ‘chavismo’ ou ‘comunismo’ contra outros rivais políticos – geraram 170.628 interações relacionadas ao Solidaridad Nacional.

MENSAGENS. Palavras, hashtags e frases que se tornaram uma tendência nos últimos três meses da campanha eleitoral.

O conteúdo dos confrontos não foi exclusivo do partido amarelo. “Identificamos vários casos”, disse Violeta Bermúdez, vice-presidente do Tribunal de Honra que monitora o cumprimento do pacto ético do Juizado Nacional Eleitoral. Bermúdez disse que o tribunal identificou outros grupos políticos que estão transmitindo mensagens, e “acima de tudo estão usando vídeos para apresentar não propostas, mas reclamações contra certos conceitos, mas também contra as pessoas”.

Um caso adicional foi o vídeo do partido União por el Perú, que retratava a execução de políticos supostamente corruptos. “O que este tipo de conteúdo faz é incitar o ódio e a violência, e não contribui em nada para o que deveria ser o desenvolvimento de um processo democrático, onde o contexto deveria ser usado para educar sobre as eleições”, explicou a integrante do Tribunal de Honra.

Apra e fujimorismo
O terceiro agrupamento político mais frequente da amostra coletada para esta análise é a APRA, com 157.746 interações. Seu pico de movimento na rede ocorreu nos dias 19 e 20 de dezembro, quando sua conta oficial lançou uma publicaçãocontroversa que equiparava a realidade peruana com a crise vivida na Venezuela. O vídeo mostra imagens de ‘caos’, a suposta ameaça do ‘chavismo’ e a suposta incapacidade do governo para combater o crime, a insegurança, a anemia, a pobreza e a morte de crianças recém-nascidas. Esse recurso gerou 13.628 interações naquele dia.

Por outro lado, o comportamento da Fuerza Popular no Twitter evidencia a mudança na estratégia do partido, caracterizada pelo afastamento temporário de Keiko Fujimori e a ascensão de figuras antigas do fujimorismo. Embora a conta oficial do partido tenha se mantido relativamente discreta – ao ponto de, no momento em que se escreve este relatório, ter publicado menos de 10 tuítes ao longo do ano – a força da campanha tem estado na atividade de candidatos como Martha Chávez, a chefe da lista de partido em Lima, que emitiu 477 tuítes a um ritmo de até 23 publicações por dia.

As mensagens mais retuitadas da candidata fujimorista foram críticas ao governo e à equipe especial do Ministério Público que investiga o caso Lava Jato.

É notório que os principais picos de referências à líder do partido, Keiko Fujimori, não estavam relacionados à campanha, mas à sua libertação da prisão (em 25 de novembro, com 8.731 interações) e à revelação da contribuição econômica feita pelo empresário Dionísio Romero, no âmbito da investigação fiscal do caso Lava Jato (mais de 18.350 interações, entre 18 e 19 de novembro). No resto do tempo, a campanha girou em torno do fujimorismo em geral, com ênfase em vincular candidatos como Chávez aos resultados da administração do ex-presidente Alberto Fujimori, que apareceu realizando coordenações com candidatos a partir da prisão em um áudio no dia 20 de dezembro. Nesse dia, o ex-presidente foi o tema de 10 mil interações no Twitter.

A análise com a ferramenta Brandwatch mostra que, no período de análise, foram registradas 231.783 interações relacionadas com o partido laranja ou mensagens que faziam alusão ao fujimorismo.

#Elecciones2020: Os usuários com mais interações
(18 de Novembro de 2019 a 10 de Janeiro de 2020)

 

Os temas mais discutidos
Com base na extração de tuítes associados a palavras-chave sobre corrupção, segurança, pobreza, saúde, educação, economia, violência contra a mulher, infraestrutura, entre outros, foi observado que os tópicos mais discutidos no Twitter durante os últimos dois meses do atual período eleitoral foram ‘corrupção’ (84.514 interações), ‘educação’ (42.885 interações) e ‘gênero’ (33.969 interações).

No caso da agenda sobre ‘corrupção’, foram produzidos dois marcos na discussão na rede: 12 de janeiro de 2020 (3.114 interações), dias antes do debate do Tribunal Constitucional que determinou a legalidade da dissolução do Congresso, e 28 de novembro de 2019 (2.548 interações) no âmbito do discurso do presidente Martín Vizcarra na Conferência Anual de Executivos (CADE) que teve como ponto central a luta contra a corrupção. A maioria das mensagens mais controversas sobre corrupção foram acusações de vários partidos políticos e candidatos de corrupção ou de endosso à corrupção.

No que diz respeito ao debate sobre “educação”, no dia 9 de Janeiro foi observado o maior número de interações (5.296), das quais as mensagens mais pertinentes consistiram em críticas ao Partido Morado por ser a favor do enfoque de gênero, bem como questões sobre a Lei Universitária e o papel da Superintendência Nacional de Ensino Superior Universitário (Sunedu).

O tema ‘gênero’, um dos mais controversos, foi discutido mais intensamente no dia 30 de dezembro (4.233 retuítes), depois que a candidata ao congresso pelo Solidaridad Nacional Rosa Bartra alegou que o enfoque de gênero do governo nas escolas estava ensinando meninas a se masturbar.

A discussão teve como antecedente o dia 23 de dezembro (2.651 interações), quando ficou conhecido o feminicídio de Jéssica Tejeda, um caso que evidenciou a omissão de ajuda da polícia em relação às vítimas de violência de gênero.

REDES. Configuração do debate no Twitter em torno das palavras feminicídio e violência contra as mulheres, de 23 a 30 de dezembro de 2019.

“Há uma estratégia muito clara e nítida onde o que estão fazendo é chamar a atenção”, disse o analista político José Alejandro Godoy em uma consulta para este relatório. No caso do Solidaridad Nacional, a campanha visa mudar o significado da marca, que estava fortemente ligada com o ex-prefeito e fundador do partido Luis Castañeda Lossio. “Agora a marca é mais como ‘uma direita popular’“, diz Godoy, com base em temas como a posição dos grupos conservadores contra o enfoque de gênero ou a luta contra a suposta opção comunista representada por outros candidatos.

Por outro lado, no caso do Fuerza Popular, houve uma estratégia mais cautelosa. “Tem a ver com o fato de que Alberto Fujimori é quem está gerenciando a campanha e não sua filha”, diz o analista, que concordou que alguns exemplos dessa estratégia foram os dois vídeos recentemente publicados pela conta oficial do Fuerza Popular, que giram em torno das figuras de Alberto Fujimori, com Martha Chávez ao seu lado.

Sobre a Apra, Godoy comentou que o partido vem tendo candidatos que contam com um grande voto contra, como Mijael Garrido Lecca. “[Ele] deve ter sido um dos candidatos mais investigados nas redes sociais em geral. Isso também dá visibilidade”, explicou ele.

Análise de dados: Juan Acostupa

#Elecciones2020: As principais tendências
(18 de Novembro de 2019 a 10 de Janeiro de 2020)

 

*A Sala de Democracia Digital é uma ação da FGV DAPP, em parceria com Chequeado, na Argentina, Linterna Verde, na Colômbia e Ojo Público, no Peru. Nós monitoramos o debate público nas redes sociais pela América Latina.

A análise original está disponível no site do Ojo Público aqui.