Jornalista e deputada lideraram o debate digital sobre o caso Las Londras
por Bolivia Verifica | Bolívia
Por Isabel Mercado
Atualizado em 10 de março, 2022 às 9:51 am
De acordo com a análise do debate nas redes sociais realizada pelo Bolivia Verifica, a atenção sobre o tema se concentrou nos veículos de comunicação, especialmente de Santa Cruz. O jornalista Tuffí Aré e a deputada do Creemos María René Alvarez foram os principais influenciadores no debate
Contexto
As terras de Las Londras estão localizadas a 160 quilômetros de Santa Cruz, no município de Ascención de Guarayos.
Em 28 de outubro de 2021, um incidente violento ocorreu nessas terras de aproximadamente 8.312 hectares, no qual um grupo de 17 pessoas, formado por jornalistas, civis e policiais, foi emboscado, sequestrado e torturado por mais de seis horas, por um grupo de homens encapuzados armados, que os encontrou durante uma visita ao local.
A visita era fruto de um conflito que vinha ocorrendo na região em decorrência da reivindicação de interculturalistas (que se apresentavam como camponeses) e empresários pelo uso e propriedade de Las Londras e seus arredores.
O conflito estava sendo resolvido pelo INRA, que estava realizando o processo de reordenamento dessas terras, que não podiam ser propriedade nem dos empresários nem dos colonizadores, e sua ocupação – por um lado ou por outro – constituiria subjugação.
A isto acrescenta-se que este território faz parte da reserva florestal Guarayos, de modo que qualquer tipo de assentamento humano ou uso agrícola é estritamente proibido; ou seja, é impossível ao INRA ter concedido direitos de propriedade a qualquer um dos dois grupos da disputa.
Dias antes do episódio violento, os empresários denunciaram que os interculturalistas haviam se reaproximado ao INRA e que, diante da possibilidade de que esta instituição declarasse a terra em disputa como terra do Estado, haviam decidido tomá-la e, em seguida, agredir o grupo de visitantes, como forma de intimidação.
Após o sequestro, foram divulgadas imagens em que o diretor do INRA do departamento de Santa Cruz, Adalberto Rojas, foi visto chegando a Las Londras e sendo recebido por aqueles que, dias antes, haviam realizado os ataques, entre abraços e aplausos. Rojas negou conhecer os agressores.
Até o momento, quatro meses depois dos fatos e após as investigações terem determinado a identidade dos protagonistas dos crimes e emitido mandados de prisão contra eles, apenas duas pessoas foram presas.
Há uma semana, o Juiz Público Misto Civil e Comercial de Guarayos, Roberto Cruz Hurtado, ordenou a prisão preventiva de Paulino Camacho, o segundo detido no caso Las Londras, por seis meses na prisão de Okinawa; no entanto, retirou o crime de tentativa de homicídio apesar da existência de imagens onde o acusado é visto fazendo ameaças com uma arma.
O primeiro detido foi Heber Sixto Canaza, acusado de liderar o grupo armado que sequestrou a delegação. Canaza está em prisão preventiva há seis meses, desde o dia 25 de novembro.
Os órgãos de imprensa protestaram repetidamente pedindo celeridade na investigação e punição desses eventos que ameaçam a segurança das pessoas e a liberdade de expressão. Após tornar-se pública a possibilidade de que o primeiro detido e líder do sequestro, Heber Canaza, poderia solicitar sua libertação, os jornalistas denunciaram a parcialidade das autoridades com os sequestradores.
Discussão nas redes sociais
Facebook e os veículos de comunicação
De acordo com a ferramenta Newswhip, de 29 de outubro de 2021 (data em que os fatos ocorreram) a 25 de janeiro de 2022, a mídia compartilhou 290 postagens no Facebook sobre o caso Las Londras, relatando os acontecimentos e as principais consequências do caso.
Os posts alcançaram 95.774 compartilhamentos, 211.515 curtidas e 105.521 sinais de descontentamento dos internautas dessas mídias.
O jornal El Deber foi o veículo que mais compartilhou conteúdo sobre o assunto no Facebook, seguido pela rede Unitel.
Tuítes mais comentados e compartilhados
Vários atores sociais, políticos e da mídia debateram o tema e marcaram uma tendência de opinião em torno dele.
O tuíte mais compartilhado e comentado foi o do jornalista Tuffí Aré (56.000 seguidores), em que afirma que “o Ministério Público acusou 13 jovens detidos por violência no Plano Tres Mil e pede prisão preventiva de seis meses, rigor que contrasta com a inação para desarticular o grupo armado e prender os envolvidos em sequestros e torturas em Las Londras”.
Três dos quatro tuítes sobre o caso desde 28 de outubro de 2021 foram feitos por Tuffí Aré. O terceiro com mais tráfego foi o do ex-presidente Carlos Mesa (660.930 seguidores), no qual ele destaca que a polícia envia efetivo para “proteger” a marcha do MAS, enquanto criminosos em Las Londras fazem reféns e intimidam oficiais. “A instituição policial, para o MAS, serve apenas para reprimir opositores e escoltar apoiadores, não para servir aos cidadãos”, afirmou em uma postagem que gerou 166 compartilhamentos e grande polêmica, principalmente entre contas relacionadas ao MAS.
Cabe destacar a pouca atividade gerada sobre o tema por outros atores políticos e sociais. A única exceção foi o ministro do governo Eduardo Del Castillo, que publicou um tuíte para anunciar que a situação em Las Londras estava sendo controlada e as investigações prosseguiriam. Não houve pronunciamentos de destaque de nenhuma autoridade política do MAS.
O governador de Santa Cruz também registrou atividade no Twitter, principalmente nos momentos após o sequestro.
No entanto, como mostra este mapa de calor da atividade do Twitter sobre o assunto, os principais atores foram os veículos de comunicação.
Correspondeu a La Paz e 22% do interesse pelo assunto foi gerado em Cochabamba.
Da mesma forma, destaca-se a atividade no Twitter da deputada María René Alvarez, representante da região de Chiquitana pelo Creemos, que se tornou uma das principais vozes de denúncia.
Conclusões
Quatro meses após esses acontecimentos que preocupam os trabalhadores da imprensa, pouco interesse tem sido visto por parte do sistema de justiça e das autoridades sobre o assunto.
Embora dois suspeitos tenham sido detidos, eles não foram processados nem punidos pelas causas que se pedem, e um tom de indiferença paira sobre o caso, apesar das intimidações e ameaças sofridas pelos jornalistas que tentam cobrir a agressão.
Fica evidente a questão fundiária e a parcialidade das autoridades com os grupos interculturais, assim como a pouca proteção e garantias que são concedidas na Bolívia ao trabalho da imprensa.
*A Sala de Democracia Digital é uma ação da FGV DAPP, em parceria com Animal Político, no México, Bolivia Verifica, na Bolívia, Confidencial, na Nicarágua, Chequeado, na Argentina, Espacio Público, no Chile, Linterna Verde, na Colômbia, e Ojo Público, no Peru. Nós monitoramos o debate público nas redes sociais pela América Latina.
A análise original está disponível no site do Bolivia Verifica aqui.