02 abr

“Primo do porteiro” e Impacto digital de Maia: narrativas de desinformação promovidas por bolsonaristas mobilizam debate político sobre coronavírus

103 mil postagens repercutiram acusações de supostas fraudes na contabilização de mortos pelo Covid-19

Atualizado em 2 de abril, 2020 às 3:20 pm

  • Foram 103 mil postagens repercutindo acusações iniciadas pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) sobre supostas fraudes na contabilização de mortos pelo Covid-19;
  • Já o aumento da presença do presidente da Câmara no debate levou o deputado Eduardo Bolsonaro a apontar uso de robôs — o que não ocorreu.

 

No fim de semana, a partir de postagens da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), houve um rápido movimento entre perfis de apoio ao governo em compartilhamento de mensagens sobre supostos erros de notificação de mortos pelo coronavírus. Seguidas publicações da parlamentar afirmavam que um falecimento por acidente do primo de um porteiro — um estouro de pneu — acabou listado (sem nenhuma prova efetiva ou averiguação) como morte por problemas respiratórios. E, em pouco tempo, outros perfis da mesma base passaram a replicar mensagens idênticas, em narrativa que se converteu em história do “primo do porteiro” — mobilizando críticas de perfis de oposição e em fluxo de replicações irônicas sobre os ataques à suposta subnotificação de casos associados à pandemia.

Entre as 12h de sábado, 28 de março, e as 11h desta segunda (30), estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) identificou 103,5 mil postagens no Twitter sobre a pauta — já com muitas publicações da base pró-Bolsonaro apagadas, por conta da repercussão negativa e de links da imprensa desmentindo a deputada Kicis. O primeiro pico de engajamento, a partir da própria parlamentar, foi a partir das 20h de sábado (28), com média de 40 novos tuítes/minuto repercutindo a história inicial sobre o erro de notificação do primo do porteiro — e, até então, com impacto direto entre contas bolsonaristas. 

No entanto, a partir da manhã de domingo, especialmente após postagem do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) com imagens da ação digital de perfis replicando o mesmo texto, houve reorganização do debate, em volumes bem maiores de sátira sobre a desinformação e acusações de “fake news” contra a deputada. É quando entram em cena influenciadores de oposição que repercutem texto semelhante no Twitter, mas de forma irônica, e compartilham notícias da imprensa desmentindo a narrativa.

A partir das 08h de domingo (29), começa a se expandir a atuação digital dos grupos de oposição, que, no debate geral, responderam por 54% das interações, contra 46% dos grupos pró-Bolsonaro — e Bia Kicis foi, com larga vantagem, a principal influenciadora. A discussão só arrefece às 23h de domingo (29), quando outros influenciadores alinhados ao governo federal passaram a defender a parlamentar e a acusar a imprensa de publicar conteúdos falsos. O perfil de direita @rejanepaiva deu impulso à narrativa engajada por Bia Kicis ao publicar “confirmação” de que a história relatada pela deputada é verdadeira. A conta afirma que um seguidor, vizinho da “família da vítima”, confirmou o erro de notificação na morte.

Rodrigo Maia

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, demonstra crescente influência no Twitter. A análise de dados mostra resultados orgânicos de sua base e indícios de uso de robôs para atacá-lo. From coletados 308.669 tweets de engajamento à conta do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia. Os retweets, menções e respostas a Maia se referem ao período de 0h do dia 21 de março a 11h00 do dia 30 de março.

Os mais de 300 mil tweets foram criados por 123.734 contas. Análise da FGV DAPP, que buscou sinais de automatização, constatou que apenas 5 contas apresentavam sinais claro de operação automática ou que levantam a suspeita de serem robôs.

O conteúdo publicado por essas contas é, em geral, de crítica ao presidente da Câmara. A análise qualitativa destes perfis mostra claro alinhamento à direita e atuação histórica de defesa do presidente Bolsonaro. Não foram encontrados sinais de automatização em tweets de apoio a Rodrigo Maia no período, nem ação massiva de retweets à conta de Maia que pudessem evidenciar uma possível manipulação de engajamento.

A análise do volume de interações recebidas por minuto (gráfico acima), mostra um pico de interações às 22h47 do dia 24 de março. Nesse momento, foram registradas mais de 600 interações à conta de Maia em um minuto. Porém, deste volume, pouco mais de 100 interações foram retweets das publicações de Maia. O pico foi causado pelo movimento massivo de crítica a ele, em resposta a tweet em que Maia classificou o pronunciamento do presidente Bolsonaro como equivocado.

Apesar de não ter detectado sinal  claro de automatização neste momento, os dados da FGV DAPP refletem um movimento massivo de ataque a Rodrigo Maia e nenhum indício de uso ilegítimo da plataforma para benefício de Maia.