#DebateEnRedes: O protocolo sobre o aborto dividiu os usuários no Twitter, inclusive dentro da Cambiemos
Por Ariel Riera, Celeste Gómez Wagner e Mariela García
Atualizado em 27 de dezembro, 2019 às 12:59 pm
Se você tem só alguns segundos, leia estas linhas:
- As hashtags mais usadas foram tanto contra (“#BajenElProtocolIlegal” e “#NoFueLey”) quanto a favor (“#AbortoLegalYa” e “#SeraLey”) da medida.
- Figuras do oficialismo aparecem em comunidades separadas por sua posição em relação ao aborto.
- Houve um grupo homogêneo identificado por sua rejeição ao aborto e vários grupos pró-aborto com ligações entre si.
Em 20 de novembro, o Ministério da Saúde, chefiado por Adolfo Rubinstein, publicou no Diário Oficial uma atualização do “Protocolo para o cuidado integral das pessoas com direito à interrupção legal da gravidez” de 2015. Especificamente, a nova versão afirma que, para interromper uma gravidez nos casos em que o aborto não é punível (quando a vida ou a saúde da mãe está em risco ou houve estupro), basta dar consentimento e assinar uma declaração juramentada. Este pedido não pode ser negado por nenhuma instituição de saúde (pública ou privada) e a prática deve ser feita no prazo de 10 dias depois.
O secretário usou sua conta no Twitter para dar a notícia, o que despertou descontentamento nos meios oficialistas. Por exemplo, Federico Pinedo, presidente interino do Senado, disse na mesma rede que a resolução era para ele “lamentável e claramente inconstitucional”. Na parte da tarde, circularam informações sobre o possível pedido de renúncia de Rubinstein, que permanece no cargo até a publicação desta nota. Além disso, os Ministros da Educação e de Saúde e Desenvolvimento Social, Alejandro Finocchiaro e Carolina Stanley, respectivamente, mencionaram que a atualização “vai ser revogada” amanhã.
Entre as perguntas que foram feitas no Twitter, havia dúvidas sobre se Rubinstein tem o poder de publicar o protocolo no Diário Oficial sem a aprovação do Ministério do qual ele depende. O Decreto-Lei nº 19.549/72 regula os procedimentos administrativos do Estado nacional e indica que qualquer decisão estatal requer o parecer prévio da assessoria jurídica permanente de cada área. Trata-se de uma fiscalização da legalidade, cuja função é, por exemplo, verificar se o organismo é competente em relação ao que está regulando.
O parecer anterior do protocolo (assinado pela diretora de Assuntos Jurídicos do Ministério da Saúde), com o qual o Chequeado concordou, conclui, entre outras coisas, que Rubinstein está autorizado a assinar a medida com base no decreto de 2018 que o Ministério da Saúde passou para a categoria de Secretaria dependente do Desenvolvimento Social. Ele enfatiza a opinião de que o secretário de Saúde deve “compreender na elaboração das normas destinadas a regular (…) a qualidade do atendimento médico” e “na disposição de normas e procedimentos de garantia de qualidade do atendimento médico”.
O Chequeado analisou, através do Trendsmap (ferramenta que permite analisar grandes volumes de tuítes), como o Twitter discutiu esta questão desde as 7h da manhã da quarta-feira às 15h da quinta-feira.
Nesse período foram publicados 120.700 tuítes e o pico de atividade foi registrado às 19h da quarta-feira, quando a possibilidade do veto de Macri ao protocolo começou a se espalhar mais fortemente no Twitter.
Protocolo ILE (Interrupção Legal da Gravidez) 2019 no Twitter da Argentina
Fonte: Elaborado pelo Chequeado a partir do Trendsmap e da busca de palavras-chave sobre o Protocolo ILE 2019 publicado em 20 de novembro de 2019 no Diário Oficial.
As posições a favor e contra o protocolo e o aborto foram refletidas nas hashtags mais usadas. Em primeiro lugar ficou “#BajenElProtocoloIlegal” (“Anulem o protocolo ilegal”, com 5%), seguido por “#AbortoLegalYa” (“Aborto legalizado já”, com 3,2%), “#SeraLey” (“Será lei”, com 2,4%), “#NoFueLey” (“Não foi lei”, com 2,3%) e “#ILE” (2%). Os termos mais utilizados foram “protocolo” (40%), “aborto” (34%), “macri” (17%), “governo” (14%), “punível” (13%) e “novo” (11%).
Enquanto isso, o coração verde (associado à reivindicação pelo aborto legal, seguro e gratuito) foi o emoji mais utilizado (3,3%), enquanto o coração azul (ligado à posição contra a descriminalização do aborto) apareceu em menos de 1% das mensagens.
Finalmente, a mensagem mais compartilhada nas redes foi a de @leandrocahn, diretor executivo da Fundación Huésped, a favor da atualização do protocolo. “O Protocolo assinado por @RubinsteinOk respondia ao Código Penal, à resolução FAL, aos tratados internacionais, ao novo Código Civil, à lei de proteção dos direitos do paciente, à lei de proteção integral de crianças e adolescentes. Tudo isso está sendo vetado por @mauriciomacri”, disse, e obteve 1.500 retuítes
Entre as mais citadas estava a mensagem de @rubinsteinOk, anunciando a aprovação da atualização do protocolo, que também foi uma das 3 mensagens mais respondidas.
A partir dos retuítes, o Chequeado analisou, via Gephi, como as comunidades foram agrupadas no Twitter em torno desse tema (veja aqui). A bolha preta está em uma extremidade e mostra os usuários antiaborto. Os usuários incluem, por exemplo, @vickyvillarruel, presidente da Associação CELTYV sobre as vítimas do “terrorismo das guerrilhas”; e @juanjomalvinas, o Twitter oficial do ex-candidato presidencial Juan José Gómez Centurión, que também se pronunciou contra a interrupção voluntária da gravidez.
Outra comunidade é formada por usuários relacionados à Cambiemos e opostos à medida (em violeta). A figura central é @elcoya1977, que normalmente tuíta em defesa da gestão de Macri e tem sido a favor das “2 vidas”. Também neste grupo de usuários conectados aparece @pinedofederico, que criticou Rubinstein e agradeceu ao presidente Macri pelo veto da medida.
Fonte: Chequeado
Por outro lado, existem três bolhas relacionadas ao apoio à legalização do aborto, menos fechadas e com interações entre si. A bolha azul tem como sua figura mais reproduzida Daniel Lipovetzky (@lipovetzky), deputado nacional pela Cambiemos a favor do aborto legal. Essa comunidade é a menos homogênea, sem autoridades muito definidas, e é formada por jornalistas como @Sietecase, @nbg_ e @gsued, ou a advogada @gracepenafort, que entre outros defende o ex-vice-presidente Amado Boudou.
A comunidade verde tem @leandrocahn (diretor da Fundación Huésped, organização que defende o direito à saúde sexual e ao controle de doenças) como a conta mais retuitada. Outras autoridades muito influentes foram as usuárias que promoveram a lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE), como @Marian_Carbajal, ativista e jornalista feminista, e @anaecorrea, autora do livro “Somos Belén”, entre outras.
Por fim, a bolha laranja é organizada em torno de @RubinsteinOk e outros usuários próximos ao radicalismo, como a congressista nacional da UCR (União Cívica Radical) @CarlaCarrizoAR, o senador eleito em Buenos Aires, Martín Lousteau (@gugalusto), e o líder radical @SanzErnesto. Estes são os membros da aliança Cambiemos a favor da medida.
As frações dentro dos partidos em relação ao aborto não são novas, e até apareceram no debate no Congresso sobre a lei de IVE. Por exemplo, no Senado, nenhum bloco votou de forma unificada, com exceção da Frente Progresista e dos partidos provinciais. O mesmo aconteceu com os deputados, onde só a Frente de Izquierda votou de forma unânime a favor.
*A Sala de Democracia Digital é uma ação da FGV DAPP, em parceria com Chequeado, na Argentina, Linterna Verde, na Colômbia e Ojo Público, no Peru. Nós monitoramos o debate público nas redes sociais pela América Latina.
A análise original está disponível no site do Chequeado aqui.