04 nov

Com expectativa sobre resultado eleitoral nos EUA, polarização brasileira espelha oposição Trump x Biden

Atualizado em 5 de novembro, 2020 às 1:12 pm

  • Debate no Twitter até as 13h desta quarta (04) tem 1,3 milhão de menções às eleições nos Estados Unidos em português, no Brasil, com base sólida pró-Donald Trump versus maioria, da esquerda ao centro, de posição a favor de Joe Biden;
  • Sem forte presença de atores políticos em nenhum dos campos, debate é sobretudo voltado à lenta apuração dos resultados em estados-pêndulo, com base pró-Trump reverberando denúncias de fraude, em caso de vitória de Biden, em articulação com mídia conservadora dos EUA. Vitória republicana na Flórida é especialmente celebrada; 
  • Outros dois grupos participam da discussão: um, sobretudo jovem e mobilizado por influenciadores digitais, satiriza a demora na apuração e o sistema político dos EUA, comparando-o negativamente ao brasileiro. Outro, de mais forte posição partidária, mantém-se concentrado na contagem voto a voto em Wisconsin, Michigan e Pensilvânia;
  • No Youtube, porém, canais pró-Trump são ampla maioria entre os vídeos de maior audiência, com leitura crítica sobre eventual vitória democrata, associada ao socialismo, denúncias de fraude e debate sobre soberania nacional sobre a Amazônia;

 

Com quase 24 horas do fechamento das primeiras zonas eleitorais nos Estados Unidos, na tarde desta quarta-feira, 04 de fevereiro, ainda se mantém sob suspense (e disputa) o resultado da votação no país, com Joe Biden e Donald Trump em briga por pequenos percentuais de margem em estados-pêndulo e sob o (novo) desapontamento com os erros expressivos das pesquisas de opinião. E, enquanto o mundo observa lentamente o desenrolar político dos EUA, no Brasil a discussão sobre a sucessão presidencial e os impactos para a sociedade brasileira mantém ritmo acelerado nas redes sociais — e com nítida polarização entre bases pró-Trump e de apoio a Biden (ou apenas rejeição a Trump).

Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV coletou, entre as 18h de terça-feira (03) e as 13h desta quarta (04), 1,3 milhão de menções no Twitter, em português, sobre as eleições dos EUA, e categorizou os principais vídeos de Youtube, no Brasil, sobre o contexto político do país. No Twitter, base preferencial de atuação digital de Trump, um grupo consolidado de apoio ao governo federal do Brasil também persiste em repercussão do pleito, com denúncias contra Biden (reproduzidas da mídia norte-americana) e acusações de fraude eleitoral pela lenta contagem de votos em estados-pêndulo — e enfatizada pelo próprio Trump ao longo da campanha, sem provas. 

Esse grupo, que corresponde a apenas 15% dos perfis em debate, mas por 32% das interações na rede sobre o assunto, começou a noite desta terça-feira em celebração, por conta dos bons resultados obtidos por Trump em estados importantes e que, pelas pesquisas, apontavam empate ou até mesmo vantagem de Biden. Por isso, citam principalmente a Flórida, vencida novamente pelo republicano, e elogiam a “participação” de brasileiros naturalizados em votar pelo atual presidente. Porém, com o começo da apuração de votos antecipados e a redução do campo de vitória de Trump no colégio eleitoral, o grupo passou a reproduzir sobretudo o posicionamento republicano sobre a interrupção da contagem, em questionamento à legitimidade do restante da apuração.

Mapa de interações do debate sobre eleições dos EUA no Twitter
1º a 04 de novembro de 2020 — 1,3 milhão de postagens

Fonte: Twitter | Elaboração: FGV DAPP

Apesar de minoritário, esse grupo é vocal em contraposição a outros dois grupos majoritários e que, sob perspectivas distintas, manifestam no Brasil rejeição a Trump. Um, de contorno partidário pouco definido, mobilizado por influenciadores digitais como Felipe Neto, reúne 28% dos perfis, mas somente 24% das interações. Para além da oposição aos republicanos, os perfis do grupo usam memes e piadas para comentar a demora da apuração nos EUA e o sistema político do país (em que a eleição presidencial não é decidida pelo voto popular, mas pelo colégio eleitoral dos estados). Também comparam positivamente o sistema eleitoral do Brasil, com 100% de digitalização e rápida apuração, e as pesquisas de opinião brasileiras — a partir do consenso quase absoluto, na imprensa dos EUA, de que Biden largava em vantagem bem segura em relação a Trump.

Já um outro grupo, de alinhamento político e partidário bastante diverso, agregando políticos e atores de esquerda e centro, junto à imprensa, agregou a maior parte de perfis e interações, 40% e 36%, respectivamente. Com a contribuição, inclusive, da conta do ex-deputado federal Eduardo Cunha, cujas postagens em 2011 com menções negativas sobre a política dos Estados Unidos são reproduzidas em tom de humor, o grupo volta atenções ao momento atual, de apuração ponto a ponto em Wisconsin, Pensilvânia e Michigan, os estados-pêndulo do “cinturão da ferrugem” e que deram a vitória a Trump em 2016.

No entanto, na leitura geral do mapa de interações, um ponto é bastante comum os dois grupos “anti-Trump”: ausência de grandes influenciadores e lideranças políticas como engajadores da discussão. Com figuras partidárias ausentes do engajamento sobre a disputa nos Estados Unidos, algo que ocorre também na base pró-Trump, o debate persiste sob a ótica do mistério em relação ao resultado, com pequeno debate propositivo sobre o impacto da vitória de Biden (ou da reeleição de Trump) para a política externa do Brasil. Exceção é a fala sobre potenciais sanções ao governo brasileiro quanto às queimadas na Amazônia e no Pantanal, em caso de vitória democrata. Grupos esparsos, formados principalmente por jovens e por ativistas digitais, argumentam que Biden é a melhor alternativa para o realinhamento de políticas ambientais no Brasil, por conta da pressão internacional pelo combate ao desmatamento.   

No Youtube, base conservadora pró-Trump tem predomínio e questiona fraude

Por outro lado, se, no Twitter, o núcleo à direita favorável a Trump é minoritário, no Youtube canais alinhados ao governo federal e de orientação conservadora têm amplo predomínio de alcance e de visualizações sobre a disputa nos Estados Unidos. Com folgas, o principal vídeo sobre o assunto é do canal pró-governo federal “Terça Livre TV”, que manifesta explícito apoio a Trump, questiona suposto “socialismo” de Biden e replica acusações sem provas sobre fraude na apuração. Dois vídeos entre os 15 de maior audiência são do canal, enquanto outros quatro vídeos na listagem são de plataformas de igual apoio ao governo federal do Brasil.

Afora outros canais de imprensa de alinhamento conservador, apenas duas exceções são de vídeos de fontes jornalísticas sem amplo endosso a nenhum dos candidatos: um vídeo da CNN Brasil, o segundo de maior audiência, e o acompanhamento em tempo real do canal da TV Bandeirantes. Quase todos os vídeos, conforme esperado, dão ênfase à apuração dos votos, mas, com maior impacto do que no debate fragmentado do Twitter, canais à direita não só especulam sobre a validade do resultado, como apontam as consequências de uma possível vitória de Biden como negativas para o Brasil e o realinhamento internacional entre brasileiros e norte-americanos. Também a pauta ambiental é debatida nos canais, com críticas a comentários de Biden sobre a preservação de biomas no Brasil e em defesa da soberania nacional do governo brasileiro sobre o território. O principal enfoque opinativo dessa base à direita é a hipótese de que, com predomínio democrata, a Amazônia acabará convertida em “região internacional” administrada por grupos e interesses estrangeiros.

Youtube — Principais vídeos sobre eleições dos EUA no Brasil
1º a 04 de novembro de 2020

Elaboração: FGV DAPP