A #RappiFuga: Char e Gerlein passam desapercebidos pelo radar
Não é preciso criar um meme, porque a protagonista já o criou. Desta vez, a internet chegou tarde
Por Cristina Vélez, Carolina Santana, Esteban Villa-Turek e José Luis Peñarredonda
Atualizado em 19 de dezembro, 2019 às 4:05 pm
A fuga da ex-congressista Aida Merlano, no dia 1º de outubro, parece um episódio projetado para as redes sociais: um horário no dentista que, na verdade, era só fachada para uma fuga, uma corda escondida, o salto do terceiro andar com um tombo espetacular e a fuga em uma moto de um suposto entregador da empresa Rappi. Drama, ação, humor e inovação. E, claro, indignação. Não é preciso imaginar nada, pois tudo está gravado nas câmeras de vigilância. Não é preciso nem criar um meme, porque a própria protagonista já o criou. Desta vez, a internet chegou tarde.
Enquanto Juanpis Gonzáles encenava a queda de Merlano, apareciam paródias da Rappi – um novo “Rappi-favor”, a inovação da “Rappi-fuga” –, e ouvíamos a música inspirada em sua fuga, alguns políticos tentavam explorar politicamente a situação. Outros não deram importância. Em plena conjuntura eleitoral, a “Rappi-fuga” apareceu timidamente nos debates do Twitter.
Fonte: Twitter / @GodColombiano
Do dia 12 de setembro ao dia 9 de outubro, a Sala de Democracia Digital do Linterna Verde* registrou por volta de 420.000 tuítes sobre o tema. Cerca de 7% deles (28.500 tuítes) giraram ao redor dos mentores e aliados políticos de Aida Merlano: os Gerlein e os Char. Além disso, 5.900 tuítes mencionaram diretamente o Partido Conservador, ao qual Merlano ainda pertence.
Fonte: Twitter / @CathyJuvinao, Twitter / @gurozu
Em setembro – algumas semanas antes da fuga –, a Corte Suprema de Justiça tinha condenado Aída Merlano a 15 anos de prisão por compra de votos. A decisão não surpreendeu aqueles que conheciam sua trajetória (vejam este perfil do La Silla Vacía). Merlano começou sua carreira política conseguindo votos para o político conservador Roberto Gerlein nas ruas de Barranquilla e, em 2014, chegou à Câmara usando o mesmo método. Quatro anos depois, chegou ao Senado com o apoio do poderoso clã Char.
Quem mais tentou lucrar com a fuga no contexto político da Costa do Caribe – onde realmente está a base eleitoral de Merlano – foi Nicolás Petro, filho do dirigente do partido Colombia Humana e candidato ao governo do departamento do Atlántico.
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Tuítes de Nicolás Petro atacando a família Char: Fonte: Twitter / @nicolaspetroB (1, 2)
Desde o dia 14 de setembro – quando a Corte Suprema condenou Merlano – @nicolaspetroB publicou dez tuítes sobre o caso (Figura 1). Nove desses tuítes abordam o vínculo de Merlano com os clãs tradicionais do departamento, e cinco estão diretamente relacionados ao clã Char, mencionando, inclusive, figuras pelo nome próprio.
Figura 1: Curva de atividade da conta @nicolaspetroB sobre Merlano. (Fonte: Sysomos)
Nessa altura do jogo, Petro Junior já perdeu a eleição, mais especificamente para a candidata da família Char, Elsa Noguera. Enquanto Elsa tem intenção de voto superior a 70%, conforme a última pesquisa, Petro não supera os 15%. A corrida para a prefeitura de Barranquilla tem um panorama similar: Jaime Pumarejo, “filho” político de Alejandro Char, tem entre 63% e 70% das intenções de voto.
Além de Petro, os tuítes sobre Merlano foram feitos por pessoas com aparente filiação política a favor do partido Colombia Humana. As dez contas que mais publicaram tuítes sobre o tema tiveram, no passado, conteúdo de apoio a Gustavo Petro. Inclusive, várias delas têm indícios de fazer parte de uma operação de influência artificial: um nome de usuário alfanumérico, uma foto de perfil genérica ou retirada da internet, acima de 80% das publicações são retuítes e uma média diária de mais de 100 tuítes.
Determinar categoricamente se essas contas são robôs ou se pertencem a bodegas – termo usado para designar grupos de pessoas contratadas para gerar conteúdo nas redes – ultrapassa o propósito desta análise. O ponto relevante é que essa ação aparentemente coordenada indica que, a partir de contas relacionadas ao Colombia Humana, houve uma tentativa de gerar um debate digital que propiciasse um evento político em torno da fuga de Aída Merlano e da sua conexão evidente com os clãs políticos da Costa do Caribe.
Outros candidatos do Atlántico, como Rodney Castro (para governador) e Diógenes Rosero (para prefeito), também aderiram a essa tentativa, provavelmente de maneira independente e espontânea. Castro retuitou a cobertura do portal La Silla Caribe sobre o tema, ao passo que Rosero insistiu nas acusações aos aliados políticos de Merlano. No entanto, a “Rappi-fuga” foi ignorada pela classe política regional, especialmente por aqueles próximos ao clã Char.
Fonte: Twitter / @diogenesalcalde
Em nível nacional, alguns influenciadores deram enfoque às ligações políticas de Merlano. Como pode ser visto no ranking dos tuítes mais compartilhados do dia 1º de outubro, o dia da fuga (Figura 2), os usuários mais influentes que expuseram Char e Gerlein foram Pirry e Catherine Juvinao, que é de Barranquilla, mas fez sua carreira em Bogotá.
Figura 2: Top 5 dos tuítes mais compartilhados sobre a fuga de Aída Merlano no dia 1º de outubro (Fonte: Sysomos)
Embora a conversa tenha ocorrido principalmente em Bogotá e Barranquilla (Figura 3), as mensagens mais retuitadas não tiveram muito alcance na região Caribe, em comparação com outras cidades. Isso indica que o assunto não pareceu mobilizar o debate entre as vozes desse departamento.
Figura 3: Distribuição geográfica da conversa (Fonte: Trendsmap)
A “Rappi-fuga” não é uma história de pouca importância. O clã da família Char é o projeto político regional com maior projeção nacional, e a condenação de Merlano aponta diretamente para a forma como esse grupo construiu seu poder e sua influência. No entanto, entre memes e paródias, o episódio se transformou em um fast-food para a internet, sendo consumido nacionalmente – como no episódio da falsa monja uribista.
É impossível saber se esse debate teve mais força fora das redes do que no Twitter. Da mesma forma, não se pode descartar que tenha algum impacto nas eleições locais: a indignação está submersa em águas profundas. Por enquanto, Gerlein e os Char, e os afilhados políticos dos Char – Jaime Pumarejo e Elsa Noguera – têm uma estratégia clara: se procurarem nos tuítes deles as palavras “Aida” e “Merlano”, encontrarão um silêncio absoluto.
* A Sala de Democracia Digital é um projeto da Fundação Getulio Vargas do Brasil em associação com o Linterna Verde e tem como objetivo monitorar e analisar as discussões nas redes sociais na conjuntura eleitoral.