28 fev

Ativistas conservadores geraram um terço do debate no Twitter sobre o caso Solsiret Rodríguez

Foram formados dois grupos que emitiram mensagens agressivas e desinformação para desqualificar as defensoras dos direitos das mulheres. Entre os autores e simpatizantes estavam porta-vozes pró-família e ex-candidatos ao Congresso

Por Carla Díaz

Atualizado em 3 de março, 2020 às 10:12 am

Dez dias após a descoberta dos restos mortais de Solsiret Rodríguez, uma análise do OjoPúblico identificou que ativistas conservadores de diferentes âmbitos geraram até um terço das interações sobre o caso no Twitter, incluindo desinformação e mensagens agressivas contra a própria vítima e contra os coletivos feministas que denunciaram o possível feminicídio. Entre os autores e simpatizantes destas mensagens estavam ex-candidatos ao Congresso pelo Solidaridad Nacional (Solidariedade Nacional) e porta-vozes dos grupos mais ativos contra a abordagem de gênero que negam a existência de violência contra a mulher.

O OjoPúblico, como parte da iniciativa da Sala de Democracia Digital, processou 51.900 tuítes que mencionaram Solsiret Rodríguez de 18 a 25 de fevereiro, coletados através da ferramenta Trendsmap, um software de inteligência social que permite compilar as mensagens das redes sociais com base em critérios de busca especificamente construídos de acordo com o tema a ser analisado.

O auge do debate sobre a descoberta de Solsiret Rodriguez ocorreu no dia 18 de fevereiro às 22h27, com uma frequência de publicação de até 53 tuítes por minuto. As hashtags mais frequentemente mencionadas foram #Solsiret, #Justiciaparasolsiret (Justiça para Solsiret), NiUnaMenos (Nem uma a menos) y #LeySolsiret (Lei Solsiret), mas também – e em menor medida – #laviolencianotienegenero (a violência não tem gênero), #elfeminismomata (o feminismo mata) e #generoescorrupcion (gênero é corrupção). A discussão gerou até quatro comunidades, duas das quais mostraram posições conservadoras e agressivas em relação aos coletivos feministas aos quais a vítima pertencia.

O resultado da análise revelou que estes grupos conservadores emitiram os dois tuítes mais compartilhados sobre o caso de Solsiret: um vídeo publicado pelo escritor e ativista conservador argentino Agustín Laje, conhecido por seus livros contra as políticas de gênero, e um tuíte acusando feministas do crime, emitido por uma conta anônima chamada Micaela, que é definida como: “Uma mulher branca heterossexual privilegiada e conservadora que oprime por esporte”. No entanto, o alcance das interações com estes grupos representou apenas 35% das interações nessa rede social.

Em contraste, 64% das interações foram mensagens de apoio e solidariedade à família de Solsiret, críticas à atuação da Polícia Nacional e do Ministério Público na busca das mulheres desaparecidas, e mensagens de defesa ao movimento feminista.

Duas frentes
A análise indica que as duas comunidades que emitiram mensagens agressivas ou desinformação em torno do caso tinham eixos notadamente diferentes. De um lado estava a comunidade local (24,62%), que concentrou usuários como a conta chamada Antifeministas Perú (Antifeministas Peru), uma das contas que tem gerado mais tuítes sobre o caso Solsiret; a conta do coletivo Con Mis hijos No Te Metas (Não se meta com meus filhos), que colocou mensagens agressivas como as hashtags #GéneroEsCorrupción e #ElFeminimoMata; e contas de conservadores como Jorge de Lama, vice-presidente da Rede Nacional de Advogados pela Defesa da Família (Renafam); e Giuliana Calambrogio, ex-diretora do Gabinete de Educação do Arcebispado de Lima e porta-voz do grupo Padres en Acción (Pais em Ação).

Também neste setor esteve Javier Pacheco, ex-candidato do Partido Solidaridad Nacional nas últimas eleições parlamentares, e outros candidatos do mesmo grupo político, como Alejandro Muñante e Eugenio D’medina Lora, ambos retirados da corrida na época pelo Juizado Nacional Eleitoral.

COMUNIDADES. Quatro grupos foram formados no Twitter sobre o caso. Os ativistas conservadores ficaram nos grupos azul e lilás.
Visualização: Análise em Gephi com extração de dados do Trendsmap

O outro grupo conservador detectado nesta análise (12,28%) agrupou-se em torno da mensagem de vídeo emitida pelo ativista de direita Agustín Laje. Nela, Laje faz declarações subjetivas sobre Andrea Aguirre, a assassina confessa de Solsiret, e até afirma que ela é uma líder feminista, porque seus interesses no Facebook incluem páginas de fãs de coletivos femininos. Até hoje, o vídeo já foi visto mais de 4 mil vezes, inclusive por figuras conservadoras e religiosas conhecidas, como Alejandro Bermúdez, diretor do portal de notícias católicas Aciprensa, e Carlos Polo, diretor na América Latina do Population Research Institute, uma organização que se autodenomina “pró-vida”.

Ambas as comunidades se concentraram no presumido vínculo feminista da assassina de Solsiret Rodriguez com base nas páginas que ela seguia em suas redes sociais.

“Isso é irrelevante”, disse Angélica Motta, antropóloga e pesquisadora da Universidad Peruana Cayetano Heredia sobre gênero e sexualidade, que foi consultada para este relatório. “A questão é que é uma pessoa, e através das ações de uma pessoa você tenta gerar um estigma em relação a todo o movimento”,

Para Motta, os discursos que têm sido feitos com especial ênfase nas redes sociais sobre o assassinato de Solsiret Rodríguez são estratégias discursivas que apelam para tornar invisíveis as relações de poder na área de gênero. “O padrão sistêmico neste tipo de violência é que ela ocorre do polo masculino para o feminino. Que não se trata apenas de homens e mulheres”, disse. Segundo a professora, quando se trata de violência de gênero, devemos pensar “sobre relações de domínio, sobre papéis”.

Até o fim desta reportagem, mensagens agressivas continuaram chegando em mensagens diretas e em comentários na página do Facebook “Buscamos a Solsiret Rodríguez” (Procuramos por Solsiret Rodríguez), promovida pelos mais próximos da ativista após o seu desaparecimento em agosto de 2016. (NE: O OjoPúblico recebeu as capturas de tela dessas mensagens, mas não as publica para evitar contribuir para a sua difusão).