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Ataques como tendências. A estratégia dos semi-bots

O surgimento deste ataque ao presidente não foi por acaso. Faz parte das ações coordenadas que, a partir de diferentes setores políticos e ideológicos, tentam manipular e polarizar o debate nas redes sociais

Por Carlos Cortés e Cristina Vélez Vieira

Atualizado em 23 de janeiro, 2020 às 4:43 pm

No último sábado, o país acordou com uma tendência no Twitter que se referia diretamente à vida particular do presidente Iván Duque. Enquanto vozes de todos os setores condenavam a disseminação do boato, a hashtag crescia em meio a ofensas, especulações e “memes”.

O surgimento deste ataque ao presidente não foi por acaso. Faz parte das ações coordenadas que, a partir de diferentes setores políticos e ideológicos, tentam manipular e polarizar o debate nas redes sociais. E para fazer isso, o limite do aceitável é cada vez mais confuso.

A divulgação de fatos relacionados com a vida íntima de um funcionário público pode ser relevante para a opinião pública. Esta é uma tensão que deve ser analisada em cada caso, mas de qualquer forma deve girar em torno de declarações verdadeiras, emitidas com rigor jornalístico. O que vimos desta vez foi o uso de uma hashtag para espalhar um boato. Um boato que por repetição foi tido como fato e usado para espalhar todo tipo de ofensas e especulações.

Com esta análise, não pretendemos amplificar um ataque que rejeitamos. Pelo contrário: o nosso objetivo é explicá-lo para compreender como o nosso debate político digital acaba ocorrendo nesses termos.

A origem do entusiasmo 

A hashtag #LaMozaDeDuque (“A mulher de Duque”) atingiu o pico no Twitter na sexta-feira, 29 de Novembro, com cerca de 4.400 tuítes entre as 18h e as 22h. Vários elementos dessa tendência indicam uma possível coordenação: primeiro, o súbito interesse e uso unificado da hashtag; segundo, a rápida ativação de muitas contas; e terceiro, o alto número de interações em um curto espaço de tempo.

A natureza sensacionalista da mensagem facilita a sua amplificação, de modo que se pode pensar que se trata de uma difusão espontânea, quase ociosa. Além disso, era sexta-feira à noite no Twitter: o tom relaxa e os protagonistas mudam. No entanto, no dia seguinte, a hashtag foi acionada novamente a partir das 5h da manhã, como se uma máquina fosse ligada. Continuou até as 10h da manhã com a mesma intensidade – tornando-se uma conversa orgânica – e foi se diluindo ao longo do dia.

Nota. Entre 27 de novembro e 3 de dezembro, #LaMozaDeDuque somou quase 37 mil tuítes (fonte: Sysomos. Estes valores são aproximados e podem variar).

A hashtag analisada tinha sido usada na sexta-feira à noite, dia 22, sem uma difusão importante. Mas uma semana depois, por volta das 18h, @Pelicolombianas a usou novamente e se tornou um dos nós mais ativos de produção e amplificação. Nos três dias em que a hashtag foi utilizada, @Pelicolombianas acumulou 24 interações (8 tuítes originais e 16 retuítes) concentradas principalmente no primeiro pico dessa conversa. Além disso, dois dos seus tuítes originais chegaram ao top 25 de retuítes com essa hashtag.

Devido ao número de menções que teve – retuítes que fez e recebeu -, @Peliscolombiana foi um dos nós da conversa. Em outras palavras, teve um papel fundamental na amplificação da tendência durante as horas incomuns de movimento.

Nota. O mapa de menções de contas em torno da tendência, onde @Pelicolombianas aparece no centro. A menção não implica que todas as contas estivessem gerando conteúdo. Por exemplo, é comum que celebridades e influenciadores sejam mencionados em tuítes para atrair a atenção (fonte: Sysomos. Estes valores são aproximados e podem variar).

Quando a tendência adquiriu um ritmo orgânico – especialmente na manhã de sábado -, vozes de diferentes setores se encarregaram de amplificá-la e sustentá-la. Por exemplo, enquanto o jornalista Gonzalo Guillén usava a hashtag para elaborar uma acusação, o vice-ministro da Economia Laranja, Felipe Buitrago, a usava para desqualificá-la como um ataque misógino.

Os semi-bots

O usuário @Pelicolombianas tem 57.500 seguidores e atividade constante no Twitter através de ‘memes’, vídeos e retuítes. Seu conteúdo é muitas vezes crítico do uribismo (corrente de apoio a Álvaro Uribe Vélez) e do governo, e próximo do petrismo (corrente de apoio a Gustavo Petro). No último ano, registramos mais de 1.100 menções a @petrogustavo a partir de sua conta – o que não implica uma relação direta com o senador.

Estes tipos de usuários são conhecidos como semi-bots ou “cyborgs”. Aparentemente são humanos, mas têm uma atividade tão intensa que poderiam ser máquinas ou estar ao serviço de um esquema do tipo ‘call-center’. Nem sempre são contas com muitos seguidores. O elemento central é a produção: alguns chegam a 1.600 publicações por dia, com picos superiores a 200 tuítes por hora. Um tuíte a cada 20 segundos.

Os semi-bots tendem a ter uma posição muito definida no espectro político e um público cativo. Eles falam com os convencidos e, portanto, sua capacidade de influência externa é baixa, a menos que eles consigam preparar uma tendência que acabe sendo amplificada organicamente – como aconteceu neste caso.

Antes deste episódio, o Linterna Verde mapeou onze contas semi-bot que participaram ativamente no Twitter por volta das eleições de outubro. Assim, encontramos uma coesão e isolamento entre as bolhas esquerda e direita. São contas que, de forma disciplinada, se seguem e se amplificam mutuamente.

Nota. Mapa de semi-bots a partir das contas a seguir. A comunidade de semi-bots da direita é mais densa que a da esquerda, e os seus nós são maiores porque são mais centrais nessa sub-rede. Ambas estão isoladas de outras comunidades (fonte: elaboração própria do Linterna Verde). Esclarecimento pós-publicação: este mapa inclui tanto os semi-bots como algumas contas de líderes de opinião e influenciadores que os semi-bots têm em comum.

Dentro desse mapa de semi-bots das eleições encontramos @Pelicolombianas, o que indica que o seu papel na recente tendência contra Iván Duque não é novo. Da mesma forma, encontramos contas que, tendo outra posição ideológica e com a mesma estratégia, transformaram ataques em tendências. Dias antes do episódio analisado, contas como @ghitis e @OviedoFanny tiveram um papel relevante na amplificação de #PetroMatóADilan (“Petro matou Dilan”), em uma tentativa de responsabilizar o líder da esquerda pela morte de Dilan Cruz pelas mãos do Esmad (esquadrão de choque da polícia colombiana).

Tuíte da esquerda: Como na época da tomada do palácio da justiça, hoje o comandante Aureliano envia outros para vandalizar e gerar confrontos enquanto se esconde e procura tirar proveito pessoal. #PetroMatóADilan

Tuítes da direita: #PetroMatóADilan, e agora quantos desses idiotas úteis vão ser convencidos a arriscar suas vidas e cometer todo tipo de excessos para encurralar e chantagear o governo?
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É sério senhores, não podem esconder esta verdade: #PetroMatóADilan
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Nuuuah, o ministério público não vai violar o julgamento confidencial como medicina legal. Onde estão as pessoas da terceira idade? Eles são bons pra correr? Em vídeos feitos por amigos do falecido, ele jogou o gás lacrimogêneo na direção do ESMAD e é necessário o estudo balístico. #PetroMatóADilan

Nota. Exemplos de tuítes de semi-bots que promoveram uma tendência contra Gustavo Petro.

Por causa das políticas anti-spam do Twitter, muitas dessas contas acabam sendo suspensas. A repetição de uma hashtag, a disseminação em massa de mensagens e a interação indesejada, entre outros, são elementos que são levados em conta na sua avaliação. Mas não é fácil. À primeira vista, a diferença entre estas ações orquestradas e as de uma campanha cidadã, por exemplo, nem sempre é clara.

A verdade é que os semi-bots não são monopólio de nenhum grupo político. Também não são um fenômeno incomum no debate no Twitter. A partir de diversos setores, líderes políticos e influenciadores usam essas contas para amplificar sua mensagem, seja diretamente através de retuítes ou ditando os termos da conversa que esses usuários replicam depois. A tendência transformou-se num ataque. E os ataques são, agora, uma tendência.

*A Sala de Democracia Digital é uma ação da FGV DAPP, em parceria com Chequeado, na Argentina, Linterna Verde, na Colômbia e Ojo Público, no Peru. Nós monitoramos o debate público nas redes sociais pela América Latina.

A análise original está disponível no site do Linterna Verde aqui.