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Às vésperas das eleições, vacina “chinesa” torna-se foco central de polarização política na internet

Atualizado em 30 de outubro, 2020 às 11:37 am

  • Em nova evidência da contínua “nacionalização” do debate eleitoral este ano, política de imunização obrigatória, acordo de vacinação entre São Paulo e China e xenofobia ganham protagonismo como pauta de campanha nas principais capitais do país e promovem aberta desinformação em diferentes plataformas, conforme pesquisa da FGV DAPP;
  • No Youtube, houve explosão de vídeos negativos sobre vacinas, em geral, e em particular sobre a possível chegada da Coronavac, de origem chinesa, para a população de São Paulo. Base pró-governo federal publicou milhares de vídeos sobre o assunto desde 1º de outubro, com volume acumulado superior a 15 milhões de visualizações
  • Debate polarizado sobre vacinas também é protagonista da discussão política no Twitter em outubro, com 2 milhões de postagens identificadas sobre o assunto. Perfis de oposição e grupos de debate não alinhados politicamente defendem a China e se dispõem a receber a imunização, quando disponível, enquanto núcleo pró-governo federal questiona legitimidade da Coronavac e exige comprovação rigorosa de qualidade;
  • Nos perfis de candidatos às prefeituras de cinco capitais, em Rio e SP a polarização sobre vacinas é mais importante do que em cidades do Nordeste, com Joice Hasselmann como principal defensora da vacinação “chinesa” em Facebook e Instagram; no Rio, Crivella usa base de apoio ao governo federal para promover oposição à vacinação obrigatória, e Martha Rocha ganha força ao usar o tema de vacinação como argumento de defesa contra ataques e combate à corrupção;

As eleições de 2020 são municipais, mas a agenda, conforme se aproxima a votação, adiada para novembro, vai se organizando, nas redes sociais, cada vez mais a partir de uma polarização não apenas nacional, como de pautas em que futuros prefeitos pouco poderão atuar de forma direta. E a bola da vez é a vacina contra a Covid-19: pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV com dados de Twitter, Instagram, Facebook e Youtube, entre 1º e 27 de outubro, identificou milhões de postagens, vídeos, interações e conteúdos políticos sobre imunização, com agressiva oposição entre bases favoráveis e de oposição ao governo federal quanto a saúde pública e relações internacionais — a partir da iminência da chegada da chinesa Coronavac ao Instituto Butantan, em São Paulo.

Da mesma forma, candidatos às prefeituras de Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador e Fortaleza embarcam na pauta de vacinação como posicionamento não apenas sobre cuidados de saúde para a população local, mas como estratégia de demarcação política quanto ao governo federal — seja em apoio, seja em rejeição. No Twitter, ao longo de outubro, houve 2 milhões de postagens sobre o assunto identificadas, com nítida divisão: o núcleo alinhado ao governo federal (em azul no mapa), com influenciadores nacionais, concentra 24% dos perfis e a maior parte das interações: 56% — ou seja, em forte campanha de engajamento contrário à vacina “chinesa”. E, do outro lado, com discussão mais fragmentada e com a participação da maior parte dos perfis, uma parte pró-imunização e em defesa da vacinação obrigatória (em amarelo) reúne 47% dos perfis, mas somente 32% das interações, e junta-se a uma outra base de perfis, sem alinhamento político explícito, e que agrega 20% dos perfis — a maior parte de jovens e influenciadores digitais. 

Mapa de interações do debate sobre vacinas no Twitter
1º a 27 de outubro de 2020 — 2 milhões de postagens

No Twitter, candidatos às prefeituras das capitais despontam como importantes mobilizadores em defesa da vacinação imediata, uma vez disponível e lastreada pelos órgãos reguladores. Em São Paulo, Guilherme Boulos (Psol) atua no mesmo grupo de perfis ligados ao PT, da chapa de Jilmar Tatto, e de contas que defendem o posicionamento do governador João Doria — que é o principal ponto de questionamentos e críticas por parte da base pró-governo. Por isso, perfis que apoiam a candidatura à reeleição de Bruno Covas (PSDB) igualmente participam do debate junto às bases à esquerda, assim como perfis ligados ao MBL e a outros grupos de direita, como o Novo, que estão na disputa eleitoral paulistana. 

No entanto, no Rio de Janeiro, o atual prefeito Marcelo Crivella encontra-se (com baixo alcance) no grupo pró-governo que contesta a vacinação obrigatória, contrapondo-se à coalizão de rivais que atuam na base geral de defesa da imunização: Martha Rocha, Benedita da Silva e Eduardo Paes participam do mesmo grupo de discussão pró-vacina, mas nenhum dos 3 adversários de Crivella se posiciona, até o momento, como influenciador de alcance nacional no assunto.

No Youtube, imprensa profissional perde a disputa para canais anti-China

Desde o começo de outubro, a FGV DAPP identificou 5,3 mil vídeos em português sobre vacinas, com audiência acumulada de 23,5 milhões de visualizações. Há, de fato, muitos canais de veículos da imprensa profissional dentre os principais influenciadores da discussão, mas em derrota de alcance e repercussão para canais de portais conservadores e de influenciadores alinhados ao governo federal e ao grupo de Olavo de Carvalho. Nesses grupos, predominam ataques a Doria, posicionamentos de oposição à vacina chinesa sem nenhuma argumentação científica, vídeos que usam argumentos não legítimos para criticar a vacinação obrigatória como política pública e, inclusive, vídeos que são inteiramente contrários a vacinas em geral e citam supostos casos isolados como justificativa.

Mapa de canais  no Youtube
1º a 27 de outubro de 2020 — base de principais canais a partir de 5.283 vídeos

O mapeamento dos principais canais a abordar o assunto na plataforma, interligados pelas recomendações de vídeos e as conexões entre diferentes contas, demonstra ampla presença de canais não jornalísticos e de orientação conservadora como principais influenciadores. Na listagem de 50 canais de maior audiência, 25 são dessa base (em azul no mapa), com 15 milhões de visualizações na soma de vídeos publicados em outubro. Outros 13 são de veículos da mídia profissional, seja TV, internet ou rádio, e que, ao contrário da base pró-governo conservadora, não conseguem organizar um grupo unificado de recomendações de vídeos com conteúdo de lastro científico sobre vacinação.

Em Facebook e Instagram, vacina tem maior destaque em Rio e SP 

A exemplo do que se verifica em Twitter e Youtube, nas outras duas principais plataformas públicas de redes sociais do Brasil a agenda nacionalizada sobre as vacinas, quando inseridas no contexto das eleições municipais, posiciona-se como expoente de polarização sobretudo a partir de São Paulo e Rio de Janeiro. Tanto no Facebook quanto no Instagram, páginas públicas de candidatos manifestam opinião clara sobre a aceitação da Coronavac e, em maior escala, sobre a obrigatoriedade de vacinação.

Capital digital dos candidatos no Facebook sobre vacinação
1º a 27 de outubro de 2020

Em Rio de Janeiro e São Paulo, a discussão engaja mais candidaturas e maior impacto digital nas plataformas: na capital fluminense, na esteira do apoio da base pró-governo, Crivella fez duas postagens de elevado impacto sobre imunização no Facebook: o anúncio de uma “live” com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e a posição contrária à vacinação obrigatória. Do outro lado, em São Paulo, a publicação de maior impacto na rede social é de Joice Hasselmann (PSL-SP), que, em oposição à visão majoritária do próprio partido, apoia a vacina de proveniência da China e repetiu muitas vezes, na página oficial, o endosso à política nacional de imunização a partir do insumo chinês — dentre as 10 postagens no Facebook com maior volume de interações obtidas, somados candidatos de Rio, SP, Fortaleza, Salvador e Recife, Joice responde por quatro.

Outro forte promotor da não obrigatoriedade de vacinação, com bons resultados, é Cezar Leite em Salvador — e, enquanto busca se associar ao governo federal para as eleições, obtém volume de impacto muito superior ao dos adversários. No Nordeste, para as 3 capitais que fazem parte do monitoramento, a atenção dos candidatos quanto à vacinação é menor do que em Rio e São Paulo — nenhum candidato à Prefeitura de Fortaleza mencionou vacinas em publicações no período, e, em Recife, apenas Charbel Maroun (Novo) aborda o assunto, e com baixa relevância.

No Rio, ao contrário do que se verifica em São Paulo, em que a posição sobre a origem da vacina da parceria com o governo estadual é o foco central de polarização, o debate organiza-se a partir da concepção de “liberdade individual” — ou seja, em direta busca por associação ou rejeição ao governo federal. Notadamente, para além de Crivella, que se capitaliza pelo apoio de perfis conservadores de alcance nacional, Martha Rocha ganha destaque nas redes sobre os adversários diretos por vagas no segundo turno, como Eduardo Paes e Benedita da Silva. A candidata se posicionou a favor da vacinação obrigatória e gerou retorno positivo de usuários ao publicar, em Instagram e Facebook, postagens de defesa sobre campanhas de desinformação sobre a campanha, utilizando-se da metáfora da vacina como proteção contra o “vírus” da corrupção.

Capital digital dos candidatos no Instagram sobre vacinação