A linha tênue entre o humor e a desinformação nas redes
Por Ariel Riera, Celeste Gómez Wagner e Mariela García
Atualizado em 7 de fevereiro, 2020 às 4:57 pm
Se você tiver apenas alguns segundos, leia estas linhas:
- Tanto em assuntos superficiais como sérios, as piadas estão frequentemente entre os tuítes mais compartilhados.
- Diferentes especialistas consideram que o humor pode ajudar a aliviar situações sociais que são difíceis de atravessar.
- O perigo deste conteúdo é que pode ser usado para justificar a desinformação ou para encorajar o escárnio e a discriminação.
As redes sociais são um palco de debate onde o humor ainda está presente em temas sensíveis. Como detectado pelo Chequeado, estes tipos de publicações são geralmente as mais compartilhadas. Por exemplo, na análise de tuítes sobre o aborto legal em outubro, a mensagem mais amplamente compartilhada foi uma piada. Muitas vezes, incluem recursos gráficos (GIFs ou vídeos), como na publicação mais retuitada ao analisar a conversa no Twitter sobre a crise entre os Estados Unidos e o Irã.
tuíte: Trump: “we are only selecting the best shooters for world war 3”
Me at the tryouts:
Mara Destefanis, assessora da Câmara Nacional Eleitoral (CNE) no monitoramento de redes para as campanhas de 2017 e 2019, também observou, em diálogo com este meio, que o humor pode ser usado para “gerar alívio e alegria em situações de crise e complexidade social” já que, como destacou, a nível social “gera catarse, alivia o estresse e traz cumplicidade”, embora também tenha alertado que poderia ser “uma faca de dois gumes”.
O humor pode ser um condutor de desinformação. Por exemplo, no início de janeiro, uma foto do ex-jogador Juan Pablo Sorín foi viralizada com uma mensagem de que ele era “iraniano e membro do Hezbollah”. Em um contexto em que muitos usuários brincavam com as denúncias da oposição aos novos membros do governo, o tuíte disse ironicamente que a pessoa na foto cobrou “300 mil dólares por mês como assessor de Alberto Fernández”. A mensagem circulou no Twitter e foi compartilhada, entre outros, pelo jornalista Eduardo Feinmann (@edufeiok), que queria desmentir a publicação como se fosse verdadeira.
tuíte: Esta barbaridade é publicada por alguns FDP. É Juampi Sorin.
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Este é Amir Ashuryan, iraniano e membro do Hezbollah. Ele entrou no nosso país em dezembro e cobra 300 mil dólares por mês como assessor de Alberto Fernández.
Você votou nisso, kumpa (termo usado entre apoiadores de Cristina Kirchner)
Num artigo acadêmico sobre o tema, Edson Tandoc e Richard Ling, da Universidade de Tecnologia de Nanyang (Singapura) afirmam que o humor é uma das formas mais comuns que as notícias falsas assumem e que a sátira e a paródia são dois formatos comuns neste tipo de conteúdo porque ambos usam o humor ou o exagero como forma de atrair público. Como explica Destefanis, as notícias mais populares “são as que exaltam as emoções, incluindo o humor. (…) Que ao ser usado para desinformação tem um efeito multiplicador”.
Como afirma Claire Wardle, cofundadora da organização First Draft para combater a desinformação, a sátira pode ser usada estrategicamente para espalhar rumores e evitar verificações de informação porque qualquer crítica pode ser descartada com a desculpa de que não foi levada a sério. Em suma, o humor pode ser usado como justificativa para conteúdo falso ou impreciso.
Por exemplo, existem contas que fingem ser as contas oficiais de alguns atores com peso na política e embora esclareçam ou digam que são paródicas, em alguns casos podem confundir os usuários que leiam às suas mensagens. Nas análises que o Chequeado realizou, por exemplo, no dia das eleições gerais, o tuíte mais compartilhado foi publicado por uma destas contas: @CFK_, que parodia a conta oficial da vice-presidente, Cristina Fernández (@CFKargentina). Essa conta está atualmente suspensa.
A desinformação pode não ser intencional. É por isso que o contexto é muito importante no humor. A partir do First Draft observa-se que, por vezes, nas redes sociais, faltam os pontos que usamos para compreender uma mensagem, ou seja, uma mensagem pode ser compartilhada e se distanciar do seu significado inicial, e assim gerar desinformação, mesmo que este não seja o objetivo principal da sua publicação. Por exemplo, no caso de Rócio Marengo e do coala, o tweet mais compartilhado começou como uma piada e se tornou um trending topic, já que muitos usuários o retuitaram como notícia.
Por outro lado, este tipo de conteúdo também pode ser discriminatório ou encorajar práticas discriminatórias. Damián Fraticelli, doutor em Ciências Sociais e pesquisador da Universidade de Buenos Aires (UBA), explicou a este meio que nas redes “virou mania rir do outro de uma maneira desalmada”. Ele acrescentou que cada conta “forma um coletivo” e que celebrar uma piada ou compartilhá-la reafirma a própria identidade e o pertencimento ao grupo. Deve-se notar que em plataformas como o Twitter, as comunidades “educam” o algoritmo sobre o conteúdo que vemos e o que não vemos.
Estas plataformas têm os seus próprios mecanismos para denunciar conteúdos discriminatórios. No caso do Twitter, entre outras coisas, não é permitido “encorajar, ameaçar ou assediar outros por causa de sua raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, gênero, identidade de gênero, filiação religiosa, idade, deficiência ou doença grave” (ver aqui).
A lei argentina prevê algo semelhante. De acordo com a Lei 23.592, considera-se atos ou omissões discriminatórias por “raça, religião, nacionalidade, ideologia, opinião política ou sindical, sexo, posição econômica, status social ou características físicas” e é indicado que quem “arbitrariamente impedir, obstruir, restringir ou (…) minar” o exercício dos direitos e garantias constitucionais deve “anular o ato discriminatório ou cessar a sua prática e reparar o dano”.
A lei não inclui o âmbito digital. Para Fraticelli, esta falta de regulamentação permite, por um lado, “que qualquer pessoa faça um meme (uma imagem que carrega texto e é usada com humor para recriar sentimentos ou situações da vida cotidiana) para criticar alguém poderoso e que este meme circule numa escala sem precedentes, permitindo a denúncia de algo sobre ele que não poderia ser feito nos meios de comunicação em massa”. Mas, por outro lado, “causa o aumento do cyberbulling e o escárnio”.
Para tratar disso, o Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo (INADI) conta com um Observatório na Internet que atua uma vez “esgotadas as instâncias de reclamações possibilitadas pelas plataformas”. Alertam que a discriminação pode ser encoberta com humor e chamam isso de “discriminação tendenciosa”. De acordo com as últimas estatísticas, de 2008 a 2017, as denúncias digitais representaram de 5 a 35% do total de reclamações recebidas pelo Instituto.
*A Sala de Democracia Digital é uma ação da FGV DAPP, em parceria com Chequeado, na Argentina, Linterna Verde, na Colômbia e Ojo Público, no Peru. Nós monitoramos o debate público nas redes sociais pela América Latina.
A análise original está disponível no site do Chequeado aqui.