Se você tiver apenas alguns segundos, leia estas linhas:

• Uma foto do líder da Frente de Izquierda com seu irmão foi divulgada no Twitter e afirmou-se que se tratava, na verdade, de seu parceiro. A desinformação motivou quase mil tuítes.
• “Del Caño” tornou-se uma tendência no Twitter devido ao conteúdo falso, e o usuário que publicou o tuíte inicial a comemorou.
• A foto gerou memes e piadas, assim como comentários homofóbicos e discriminatórios.

Na sexta-feira passada, uma foto de Nicolás del Caño, deputado nacional pelo PTS-Frente de Izquierda (Partido dos Trabalhadores Socialistas – Frente de Esquerda) e ex-candidato a presidente, foi divulgada no Twitter, em que é possível vê-lo abraçado com seu irmão. A imagem foi compartilhada em um tuíte que afirmava falsamente tratar-se de seu parceiro e destacava sua semelhança física com o líder da esquerda. A desinformação provocou memes e piadas, e também comentários homofóbicos e discriminatórios (por exemplo, veja aqui e aqui).

O Chequeado analisou – via Trendsmap – qual foi a repercussão sobre o tema na rede social. De sexta-feira, 14 de fevereiro às 8h, até hoje no mesmo horário, foram registrados 830 tuítes sobre o assunto. 58% foram compartilhados por homens.

A mensagem inicial foi publicada pelo usuário Willy Comentario (@Rexmas1alterno), que se apresentou como “Licenciado em Opinologia com Especialização em Política (TwitterU). Crocsmediano do berço ao caixão”. Ele escreve sobre política, comunicação e outros tópicos no Medium, uma plataforma de blogs onde se compartilham notas. A conta registra atividade desde 2018 e tem 2.262 seguidores.

A partir da falsa informação que circulou, “Del Caño” tornou-se uma tendência no Twitter, e o usuário que começou com a difusão desta mensagem a celebrou na rede. “É a primeira vez que crio uma tendência. Vamos atrás de outra”, disse ele. A mensagem original recebeu 4.300 compartilhamentos e 54.800 curtidas.

Na conversa, a hashtag mais utilizada foi “#delcaño”, que foi incluída em 42,8% dos tuítes sobre este tema. Quanto às palavras mais frequentemente mencionadas nas mensagens, destacaram-se “irmão” (usado em 89% dos tuítes); “comentários” (41%), “homofóbicos” (41%), “casal” (38%) e “ódio” (38%).

Os dois tuítes mais compartilhados foram feitos pela conta oficial do líder da FIT-Unidad. O primeiro foi publicado por Gustavo Pecoraro (@gustavopecoraro), escritor e jornalista, que também incluiu a foto publicada. Ele escreveu: “Esta linda foto de @NicolasdelCano e seu irmão encheram o Twitter de ódio. A homofobia é tão bestial que nem sequer distingue o carinho entre irmãos. Obteve 470 retuítes e 2.135 curtidas.

Pecoraro também se referiu em sua mensagem à brutal agressão que dois irmãos sofreram no Brasil anos atrás. Naquela época, José Leandro e José Leonardo foram confundidos com um casal gay e a surra custou a vida de um deles. Bruno Bimbi (@bbimbi), jornalista da Todo Noticias, também relacionou os “comentários homofóbicos nas redes” com o caso do país vizinho. Seu tuíte obteve 531 compartilhamentos e foi salvo 2.551 vezes; ficou como a mensagem mais respondida e a segunda mais retuitada sobre este tópico.

Outros jornalistas e referências (por exemplo, ver aqui e aqui) também deram as suas opiniões sobre este assunto. Valeria Fgl, do La Izquierda Diario, tuitou: “Não posso acreditar no quanto eles são homofóbicos e que eles não percebem que quem está na foto é o irmão de Del Caño”.

Por outro lado, segundo os dados do Trendsmap, a mensagem mais influente (em termos de número de seguidores) foi publicada por Exitoina, o site de entretenimento do Perfil.com. Incluiu o link para uma nota no site com o título: “Gigolo de esquerda?”, já que alguns tuítes se referiam à semelhança do irmão de Del Caño com Javier Bazterrica, conhecido como “El Gigoló” (O Gigolô).

A circulação desta foto também chegou ao Facebook onde, por exemplo, o Nuevo Diario (de Santiago del Estero) compartilhou sua nota sobre o tema com a mensagem: “O ex-candidato a presidente publicou um cartão postal e rapidamente se tornou uma tendência no Twitter”. Esta publicação foi a mais bem classificada no Facebook e na internet (pelo número de interações) de acordo com a ferramenta Newswhip, que mede o impacto das notícias veiculadas na mídia. Vale ressaltar que a informação afirmada pelo jornal não era precisa, pois a foto não foi compartilhada pelo líder.

Por último, ao analisar o tuíte que deu origem à desinformação, registra-se que nas respostas e menções obtidas, destaca-se o emoji do riso (1,5%). Este dado, somado ao fato de que o usuário é definido como “Licenciado em Opinologia”, volta a colocar no centro da cena a linha tênue entre o humor e a desinformação (ver aqui), pois este tipo de conteúdo pode ser propício a informações falsas e também, como neste caso, ser discriminatório.

Segundo o INADI, do número total de denúncias recebidas na Internet entre 2008 e 2017 (último dado disponível), a primeira razão é a discriminação contra pessoas do grupo LGTBI (21%).

*A Sala de Democracia Digital é uma ação da FGV DAPP, em parceria com Chequeado, na Argentina, Linterna Verde, na Colômbia e Ojo Público, no Peru. Nós monitoramos o debate público nas redes sociais pela América Latina.  

A análise original está disponível no site do Chequeado aqui.